Envelhecer: – Descoberta ou Resignação?
Da velhice, diz-se hoje, com frequência, que pode ser a melhor idade. Mas ela não chega sem que a princípio assuste e, em alguns casos, até amedronte, trazendo consigo fases de depressão.
Quando de fato uma pessoa envelhece? Quando o cobrador do ônibus ou o atendente do cinema não pedem a carteira de identidade que prove o direito de redução no preço do ingresso? Ou quando se pode estacionar o carro na vaga destinada aos idosos? Ou ainda nas filas, onde, com frequência, lhe cedem a vez?
Envelhecer é a aventura da vida que está em andamento. É a etapa de continuidade, rumo à conclusão e que pode, também, ser de evolução.
Pode ser o tempo para fazer coisas que as pessoas não se permitiram antes e que foram sempre adiadas. E, mais que isso, algumas coisas feitas nessa fase dão coerência e valor a tudo o que foi vivido. Às vezes, um simples perdão a alguém que se tornou um desafeto refaz toda uma história.
Há várias formas de se envelhecer. Mas para todas as pessoas, a velhice traz a marca de como a vida foi vivida. Principalmente a vida interior de cada um, que, de certa forma, não depende só dos acontecimentos externos. Para todas as pessoas, em maior ou menor grau, há sempre perdas, decepções e frustrações nesse transcurso. Pode-se observar, porém, que existe uma determinação dentro das pessoas de aproveitar ou não essa aventura, que tem um começo, um meio e, certamente, um fim.
Há pessoas que, com a aproximação da parte final, decidem viver a intensidade de cada momento presente. Pessoas que a velhice parece enriquecer e que dão a impressão de que essa pode mesmo ser uma fase de oportunidade para se saber o valor das pequenas coisas. Ou uma fase para se saber a importância das pessoas que a vida aproximou e trouxe para cada um. São pessoas que parecem ter um jardim secreto onde a sabedoria é cultivada. Elas têm sempre um novo olhar para o outro e têm também, à sua disposição, a capacidade de se admirar. Uma característica marcante, nessas pessoas que fazem da velhice uma etapa de liberdade e de saber, parece ser a manutenção do interesse pelo outro e a capacidade de se surpreenderem diante dos acontecimentos. Não olham somente para si e nem sentem que tudo é apenas uma repetição em branco e preto. É como se o novo e o desconhecido fossem seus leais companheiros de viagem.
Pode-se, no entanto, envelhecer passivamente e com a sensação tediosa de dias interminavelmente iguais. Essa atitude faz falsamente pensar que a vida não acaba e que se tem à disposição a eternidade. Por outro lado, pode-se também envelhecer ativamente, o que significaria ter em mente um trabalho interno com as próprias emoções, que é um caso particular do trabalho de viver, ou seja, de construir a própria vida e de saber que ninguém pode construí-la em seu lugar. Esta segunda atitude consiste em que se tenha um olhar sobre o conjunto da própria história pessoal interna, a fim de situar o fim da vida numa trajetória total. É revisitar o passado com vistas a reconstruí-lo sob um novo olhar. Seria tentar delinear uma trajetória que tenha um sentido e uma história coerente.
Para isso terá que contar com o trabalho da memória para resgatar novamente acontecimentos de vida que permitam observar outra vez fatos, através das lentes de contextos diferentes, e capturar significados também diferentes ou anteriormente ignorados. Com isso, pode-se ainda revelar mais riquezas do que se suspeitava haver.
A noção de que o tempo que se tem aqui não é ilimitado – uma realidade que a idade, um acidente ou um susto precoce da saúde ajudam a solidificar -, aumenta a percepção de que há questões não concluídas, não respondidas e que demandam abordagem urgente. Há coisas para fazer antes de se aposentar da vida e deixar o tempo escoar. Aqueles que param de se questionar encurtam suas explorações e terminam com vidas permanentemente inacabadas. Perder o interesse pela vida ou deixar de estar totalmente vivo e comprometido com o mundo exterior é uma perspectiva triste, mas que pode ser remediada sempre que se reunir a determinação para enfrentar as questões mais difíceis. Pode-se sair de uma atitude de resignação e caminhar em direção a uma atitude de descoberta. Na vida há sempre momentos críticos, de dúvidas, de medo, de incerteza, de desespero e de perda de confiança. Momentos em que as adversidades ganham mais força e impelem as pessoas, perigosamente, em direção ao limite do suportável. Mas há outros em que impera o prazer em compartilhar com os entes queridos a conquista das vitórias. Há, também, a emoção das experiências que tornam as pessoas mais humildes e que as deixam revigoradas. Nessas horas, pode-se transmitir e compartilhar experiências de vida que devem ser revistas mais de uma vez, dividir segredos íntimos, conversar, ver e apontar saídas e ajudar as novas gerações na busca por respostas que, sem dúvida, as levarão às suas próprias conclusões. Costuma-se chamar de amor esse projeto de vida.
Um analista melhora com o passar do tempo naturalmente, que a passagem do tempo somente nada garante. Essa passagem precisa estar ligada a boas experiências, estudo, evolução. À medida que os anos de trabalho clinico se sucedem para o analista, ele vai tendo a possibilidade de ver acontecer na prática, o que estudou na teoria. Todo psicanalista pode sentir a transferência na prática e não só estudar na teoria. Mas, uma experiência bem específica é experimentar essa transferência como analista – ser o alvo das projeções que o paciente necessita trazer para fazer conhecido seus conflitos. Mudar várias vezes de idade durante um só dia conforme o desejo e necessidade de seus analisandos é certamente surpreendente para um jovem analista. No decorrer dos anos de trabalho de um analista ele se familiariza com a liberdade que o inconsciente toma em relação ao tempo que passa e talvez isso explique porque vários analistas conseguem trabalhar até uma idade avançada.