Psicanálise – Como trabalha o psicanalista a contemporaneidade?

III – Congresso Internacional de Educação e Saúde da Universidade de Marília

 

X – Semana de Estudos dos Cursos de Medicina e Enfermagem Unimar

 

 

Psicanálise – Como trabalha o psicanalista na contemporaneidade?

Psychoanalysis – How does the psychoanalyst work today?

 

 

Psicanálise – Como trabalha o Psicanalista na Contemporaneidade?

 

Em primeiro lugar agradeço o convite para participar do III – Congresso Internacional de Educação e Saúde da Universidade de Marília. Agradeço a todos através da Prof.ª Dra Fernanda Mesquita Serva Pró Reitora da Universidade de Marília – Unimar.

Agradeço a Comissão Organizadora esse honroso convite.

Prof. Dr. Heron Fernando de Souza Gonzaga

Prof. Dra. Tereza Lais Menegucci Zutin

Prof. Dra. Walkiria Martinez Heinrich Ferrer

 

É um prazer também compor essa mesa com meus colegas de trabalho e de vida.

Dra. Silvana Neves do Amaral

Dr. Alfredo Menotti Colucci

 

Boa noite a todos!

 

Começarei dando o exemplo de um Caso Clinico, descrito por um renomado analista da atualidade Thomas Ogden. Então pretendo mostrar para vocês um analista trabalhando e depois tecer alguns comentários.

Como trabalha o psicanalista na contemporaneidade

 

No, início da análise, a Sra. Z. me contou que quando um vizinho lhe perguntou se ela gostava de determinado restaurante no bairro, disse a essa pessoa que nunca estivera lá. Na verdade, estivera ali inúmeras vezes. Quando revejo essa história, me dou conta de que a Sra. Z., ao contá-la, falava mais da verdade do que qualquer um de nós poderia reconhecer à época: ela frequentava o restaurante, mas nunca estivera realmente lá, no sentido de estar viva em sua experiência de ali estar.

Anos mais tarde, contou-me que durante os primeiros anos de análise fizera o registro num diário de cada uma das cinco sessões que tivemos a cada semana, mas anotou apenas o que eu dizia e nenhuma única palavra sua. Entendi a ausência da Sra.  Z. do seu diário da análise como sua maneira de registrar sua própria não existência, seu próprio colapso sob a forma de ter rompido com a vida.

A análise foi muito difícil e jamais me senti confiante de que ajudasse a Sra. Z a tornar viva sua experiência. Depois de muitos anos de trabalho analítico, propus encerrar a análise. Disse á paciente que me parecia que eu deixará de ser de qualquer ajuda para ela poder mudar a maneira como vivia sua vida e que ela talvez pudesse se beneficiar do trabalho com outra pessoa.

A Sra. Z. respondeu dizendo: “Nunca me ocorreu que encerraríamos está análise antes de um de nós morrer”. Pensei, mas não disse, que ambos já estávamos mortos em muitos aspectos. Ela prosseguiu: “Na verdade, nunca pensei que análise estivesse ligada a mudança”. Para a Sra. Z., mudança era um conceito sem sentido. Os mortos não mudam, e ela estava morta. Não terminaríamos até um de nós morrer fisicamente (ambos já havíamos morrido mentalmente na análise).

Surpreendeu-me que trazer à tona a ideia de encerrar a análise servisse como impulso poderoso para discutir a desvitalização da paciente, minha desvitalização com ela e a desvitalização da análise. A Sra. Z. disse, na sessão seguinte àquela em que levantei o encerramento da análise, que havia algumas coisas que ela queria realizar em sua vida antes de encerrarmos: queria se casar, concluir sua pesquisa e publicá-la em livro. No decorrer dos anos seguintes de análise, a Sra. Z. realizou todas essas metas. Discutimos o fato de que se casar é diferente de fazer um casamento, e que haveria grande quantidade de trabalho à sua frente depois de pararmos, para ela poder alcançar esse objetivo. Encerramos a análise cinco anos depois que toquei pela primeira vez no assunto.

Nos anos seguintes, desde que paramos de trabalhar juntos, a Sra. Z. me escreveu cerca de duas vezes por ano. Nessas cartas, me dizia que sentia que o fim da análise não fora algo arbitrário; agora fazia sentido para ela termos encerrado quando o fizemos e como o fizemos. Era imperativo que tivesse uma vida própria e não emprestada ou roubada de mim. Sua vida agora parece lhe pertencer para fazer o que pode, e ela se sente grata a mim por despertá-la para o fato de que antes “eu eliminara a plenitude de minha vida”.

Acredito que a Sra. Z. não viveu conscientemente o medo da morte, porque, em certo sentido, já estava morta. Para a Sra. Z., estar morta, estar ausente de sua própria vida, era uma forma de se proteger tanto da dor de viver no presente um passado ainda-a-ser-vivido, quanto a dor de perceber que estava “perdendo” (em ambos os sentidos da palavra) partes importantes de si mesma. (Ogden, 2016, p. 91-92)

 

Ao relatar essa situação clinica, quero através desse exemplo, podermos observar um analista trabalhando na contemporaneidade. O objetivo dessa análise, dessa dupla vai muito além da resolução de conflitos ou da diminuição da sintomatologia. Isso é importante, mas em primeiro lugar o que foi trabalhado por muito tempo, é desenvolver o sentir-se vivo, diminuir a desvitalização que rondava os dias dessa paciente. A tentativa é desenvolver essa capacidade de sentir-se vivo que é uma experiência superior e prioritária e deve ser considerada como um aspecto da experiência analítica em si mesma.

Atualmente sobre qualquer coisa que iremos falar temos que citar a total mudança que em tudo se fez em função da pandemia. No campo da Psicanálise não é diferente. Praticamente de um dia para o outro, tivemos que mudar nossa prática para continuarmos respondendo às demandas que sempre tivemos e que agora com o advento de toda a ameaça desencadeada pelo perigo de contágio da Covid-19 quantas coisas passaram se somar as já muitas tarefas existentes!

Isso sem contar a grande demanda que passou existir em função do aparecimento de muitas situações que passaram solicitar a presença de um analista. Tanto de pessoas que estavam assustadas, inseguras e ameaçadas, como de pessoas que passaram a adoecer, apresentar casos psicopatológicos e a urgência de serem atendidas se fez necessária. Tornou-se lugar comum os colegas dizerem: – Mesmo com o isolamento, nunca trabalhei tanto em minha vida. Somado a isso a necessidade de rapidamente aprender dominar as áreas de informática, para dar aulas, fazer reuniões, dar palestras e naturalmente também atendermos nossos pacientes primordialmente on-line. Passamos viver uma outra realidade. Melhor? Pior? Não sabemos, diferente, necessária. Volto a questão proposta pela Comissão Organizadora do Congresso.

Como trabalha o psicanalista na contemporaneidade? Percebo que para falar sobre essa questão que é muito ampla devo escolher um aspecto. Por quê? A atividade e inserção da Psicanálise hoje ela é muito ampla – Na Educação, na Saúde, na Vida Comunitária.

Escolherei responder de onde eu vivo – há exatas quatro décadas. Falo de um consultório de Psicanálise onde lá são atendidas pessoas que vem movidas por uma angústia e sofrimento emocional. No caso apresentado o analista procurou trabalhar principalmente com desvitalização e ausência que essa pessoa tinha de sua própria vida.

Uma pessoa consulta um psicanalista porque está sofrendo. Emocionalmente sem saber ela tornou-se incapaz de sonhar. À medida que é incapaz de sonhar sua experiência emocional ela é incapaz de mudar, ou de crescer ou torna-se diferente de quem ela tem sido.

O que você quer ser quando crescer? A pergunta traz a ideia de sonho, de projeto de vida. E ela pode ser feita para pessoas de qualquer idade. Pode ser um aspecto dentro da análise em que o analista tenta colocar essa pessoa em contato com seus sonhos novamente.

A pergunta é talvez a mais importante que qualquer um de nós pode fazer ao longo da vida, isto é, desde muito cedo até o momento antes de morrer. Quem gostaríamos de nos tornar?

O analista pode trabalhar com seu paciente fazendo com que ele volte sentir entusiasmo para se tornar a pessoa que ele havia sonhado ser.

Que tipo de pessoa gostaríamos de ser? De que maneiras não somos quem somos?

O que nos impede de sermos mais como a pessoa que gostaríamos de ser? O que poderíamos fazer para nos tornarmos mais como as pessoas que sentimos ter potencial e a responsabilidade de ser? São essas as perguntas que trazem a maioria dos pacientes às terapias e as análises embora raramente se deem conta disso, estando mais preocupados em encontrar algum alívio para os seus sintomas. As vezes o objetivo do tratamento é conduzir o paciente a um estado em que não é capaz de formular essas perguntas para outro no qual seja capaz de fazê-lo. Muitas vezes no início da analise a pessoa venha mesmo mais com sua desilusão diante da vida. E aí ela pode se perguntar o que quero para mim?

A psicanálise ontológica – onde se busca o ser, o vir a ser, vemos a dupla analítica – Analista e analisando descobrindo sentidos de maneira criativa num processo que nos torne mais vivos. A dupla que é formada entre analista e analisando ajuda a pessoa se reconectar com seus desejos de realização e transformação diante da vida. O que quero ser quando crescer? (Ogden, 2020). Uma pergunta que sempre pode ser feita em qualquer idade.

O Acontecimento passado, ocorrido, mas não vivenciado, continua a atormentar o paciente até ser vivido no presente (com a mãe/analista). E, no entanto, parece-me que uma das principais, se não a principal motivação para um indivíduo que não tenha vivenciado partes importantes do que aconteceu no início de sua vida, é poder resgatar partes importantes perdidas de si mesmo, para finalmente se completar englobando, tanto quanto for capaz grande parte de sua vida não vivida. Toda pessoa tem necessidade de recuperar o que perdeu de si mesma. Ela quer tornar-se a pessoa que ela é em potencial. Todos nós em diferentes proporções tivemos acontecimentos no início das nossas vidas que envolveram rupturas significativas do vínculo mãe-bebê, aos quais respondemos com organizações defensivas psicóticas. Cada um de nós tem a dolorosa  consciência  de que apesar de podermos parecer psicologicamente saudáveis para os outros (e as vezes para nós mesmos) há formas essenciais em que não somos capazes de estar vivos para nossa experiência, seja a experiência da alegria, ou a capacidade de amar, a capacidade de perdoar alguém (inclusive nós mesmos) ou simplesmente  para se sentir vivo para o mundo ao nosso redor e dentro de nós mesmos – Todos temos nossas próprias áreas especificas de experiência que fomos incapazes de viver e vivemos em busca dessas experiências perdidas que fomos incapazes de viver.

 

Finalizo minha participação nesse Congresso citando um estimado psicanalista Roosevelt Cassorla que diz em uma publicação do último Jornal de Psicanálise:

 

Ser psicanalista é fascinante. Temos o privilégio de sermos desafiados todo o tempo, a dar sentido a tantas vidas (e também à nossa). E isso nunca termina. (Para quem escolhe esse caminho) que você possa usufruir de tudo o que a formação analítica te oferece. (Cassorla, 2020, p. 133)

 

 

Referências

 

Cassorla, R. (2020). Meu caro candidato… Jornal de Psicanálise, 53(99), 129-134.

Ogden, T. H. (2016). O medo do colapso e a vida não vivida.  Livro Anual de Psicanálise, 30(1), 77-93.

Ogden, T. H. (2020). Psicanálise ontológica ou “O que você quer ser quando crescer?”. Revista Brasileira de Psicanálise, 54(1), 23-46.

 

Obrigada!

 

 

 

Cibele Brandão

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