A Festa de Babette
Karen Blixen
A Festa de Babette, (Babettes Gæstebud), é um filme franco-dinamarquês de 1987, dirigido por Gabriel Axel. Roteiro adaptado da obra de Karen Blixen, cujo pseudônimo era Isak Dinesen, o anonimato se justifica, uma vez que mulheres escritoras não seriam vistas de forma “positiva” em uma sociedade machista.
A história se passa numa península da Dinamarca no ano de 1871, onde duas irmãs, devotas de seu falecido pai, um rigoroso pastor luterano, pregavam a salvação através da renúncia. Babette é uma mulher desconhecida que lhes bate à porta em busca de trabalho e abrigo, e que mais tarde revelaria que seria uma refugiada da guerra civil francesa.
Esse pequeno vilarejo era composto por famílias extremamente religiosas, com regras, deveres e devoções específicas. Assim que chega, Babette observa que todos na vila possuem um hábito “um tanto curioso” referente ao ato de comer; alimento básico apenas para sobrevivência, sem cor, sem sabor ou algo que estimule o sentido do paladar. No início, Babette tentou recompor o que uma vez foi esse tipo de alimentação e aos poucos, utilizou de seu aprendizado para oferecer mais sabor aquela comida e aos poucos tentar modificar a mentalidade dos aldeões.
Ao fim do banquete todos estavam extasiados, “alimentados de corpo e alma”. Babette então revela seu maior segredo, (era ela a cozinheira do “Café Anglais”), e gastou todo o dinheiro recebido da loteria com o jantar, mostrando assim que abdicaria de uma vida luxuosa na França para permanecer ali.
O filme em si, carrega uma extensa linguagem religiosa e de certo contemporânea sobre este mesmo assunto. Temos uma vila puritana religiosamente segura de suas doutrinas e de sua fé. O assunto central do filme gira em torno do conceito de pecado e em específico, do pecado da Gula.
A religião sempre teve o papel “regulador” desses vícios e da sociedade, a fim de organizar e doutrinar segundo sua perspectiva.
No Filme, as irmãs (representam essa doutrina religiosa), já Babette (o conflito, a “desordem”). O antagonismo destes personagens oferece o ponto chave da temática do filme. Quando Babette se oferece para ser a anfitriã de um jantar feito, comprado e preparado por ela, as irmãs se veem sem saída, uma vez que aceitam o pedido de Babette, exortando assim ainda mais a preocupação em não ceder aos prazeres do paladar.
A apreensão quanto ao jantar cria uma espécie de “pré – conceito”, definindo limites e estipulando regras, uma vez sentados a mesa, seria de suma importância não deixar-se envolver com aquela tentação, em outro trecho do filme os convidados combinam de forma pactual como agir durante o jantar.
Já Babette ousa e outorga o jantar, criando um clima, tão qual noutro tempo já havia visto em sua terra natal. Ela se apetece a oferecer uma típica ceia francesa, ensejada por um dos mais conceituados cafés franceses. Os personagens se desconfortam, porém acabam por expandir um novo olhar sobre o bem comer (uma vez observando o general, que de certo, se torna um exemplo).
O papel do General é fundamental, uma vez que é este personagem que faz com que os outros (tão conservadores em sua religião) consigam absorver esse conceito nouveau e quebrar o estigma carregado pelo simples fato de comer bem.
O filme trata de como esses personagens tão alienados em suas convicções religiosas conseguem enxergar, ou melhor, visionar um novo formato de modus vivendi, sem necessariamente estar atrelado ao que a Igreja considera correto.
O encanto da Festa de Babette está exatamente nessa quebra de conceitos, nesse abrir de mentalidade. Durante o jantar, em um determinado momento, os personagens abandonam suas rixas, seus problemas e sua conduta religiosa para simplesmente saborear o bem comer, o trocar ideias, o experimentar.
A Festa de Babette é sem dúvida um clássico, bem produzido, com um roteiro impecável que faz-nos questionar como devemos medir nossa fé pelo bem viver.