O Palhaço
O Palhaço é um premiado filme brasileiro de 2011 dirigido, co-escrito e estrelado por Selton Mello. É o segundo filme longa-metragem dirigido por Mello, o anterior foi Feliz Natal.
Benjamim (Selton Mello) e Valdemar (Paulo José) formam a fabulosa dupla de palhaços Pangaré e Puro Sangue. Benjamim é um palhaço sem identidade, sem CPF e sem comprovante de residência. Um pangaré – referência a um cavalo de má qualidade. Ele vive pelas estradas na companhia da divertida trupe do Circo Esperança. Mas, Benjamim acha que perdeu a graça e parte em uma aventura atrás de um sonho.
O filme com direção de Selton Mello é uma mistura de humor e drama. Apesar de seus momentos engraçados o filme tem um foco na busca humana pela satisfação e o drama pessoal vivido pelo personagem central que vai além de fazer graça para os outros rirem, mas intenta buscar graça em viver – coisa que por um período perdeu inclusive interferindo em sua atuação como palhaço. A fagulha do filme é um questionamento, uma crise existencial, um rito de passagem.
É mostrado o picadeiro de um circo, como analogia ao desenrolar da própria vida. No picadeiro todo tipo de emoção se desenrola.
O palhaço Pangaré entra em crise com sua profissão. Profissão de palhaço é basicamente fazer as pessoas rirem. Ele normalmente tem pouco contato com o mundo lá fora. O palhaço está sempre no mundo do absurdo. Mas, ele faz rir e pensar. Pensa e sente com o corpo.
A figura do palhaço é importante no picadeiro da vida pois ele representa nosso avesso. Ele nos faz rir e chorar, pode entrar e sair da poesia – representando o caráter do ser humano que é plural – um pouco de tudo. O circo é o último vestígio de um saber ancestral. Ele existe pela transmissão do saber de pai para filho.
No filme aparece um grupo unido onde dentro dele não são rejeitados os tipos mais estranhos, que fora dele sofreriam muito para se inserirem socialmente. Dentro dele parece que as coisas dão certo – a vida segue em frente no Circo Esperança. As coisas se movem sozinhas mas com a proteção de São Filomeno que é o padroeiro dos artistas. Que privilégio e responsabilidade é ser um palhaço! Segundo os dois atores principais, depois da realização do filme, o difícil foi deixar de ser palhaço. O palhaço é um anjo torto… “Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai Carlos! Ser gauche na vida.”
E na vida a gente tem que fazer o que a gente sabe fazer. – O gato bebe leite – o rato come queijo – e o palhaço – exalta o errado, o ridículo, tornando – o digerível engraçado, perdoado.
O lado patético que há no palhaço ajuda enfrentar as dificuldades com humor e irreverência . O humor do palhaço digita o humor do circo. Você sonha acordado quando vai ao circo. Circo é co movente e é próprio do sonho ser puro. A primeira cena do filme onde aparecem os cortadores de cana é um contraste muito intenso entre a trupe itinerante de circenses que atravessa o Estado de Minas Gerais e os cortadores de cana sem mudanças sempre em baixo do sol. Eles observam com encantamento a chegada do circo à cidade. É uma caravana que vem trazendo em sua bagagem a alegria. Eles sequer imaginam que detrás da fachada descontraída e na atuação exibida no picadeiro existe um sentimento inominado de tristeza, sobretudo envolvendo o palhaço Pangaré. Mas há um fascínio para livrar-se das pressões da vida e fazer parte dessa trupe divertida.
Muito da ansiedade de Pangaré se deve a ausência de identidade e a falta de um lugar próprio, como também as responsabilidades que caíram em seus ombros herdeiro do circo do pai, o palhaço Puro Sangue (cavalo de raça pura, sem cruzamento de outra raça) e vocacionado para seguir seu legado. Em contraponto a essa pressão que trás uma opressão acalorada, frequentemente vemos momentos que aparecem ventiladores nas situações mais inusitadas. Esse citado objeto é o grande desejo do palhaço. Mais do que uma metáfora das coisas que Pangaré é incapaz de alcançar estando no circo, o ventilador é o status necessário para que a realidade daquela vida seja mais amena.
O filme trás uma plêiade de personagens interessantíssimos. Não haveria espaço para falarmos de todos. Além de Pangaré – o centro de nossos comentários – eu traria para o picadeiro Guilhermina vivida pela atriz mirim que traz à memória sentimentos bonitos, a inocência de uma criança, os sonhos que viram realidade, os sorrisos puros e ingênuos das crianças. Graciosa, bela e com um sorriso inocente, ela é apenas uma criança, começando a ver que o circo não é tão mágico como imaginara, ela tem o olhar que nada passa despercebido. Na vida de uma criança tudo o que é banal é grandioso para ela. Essa criança do filme, está de olho em tudo, vê tudo. Guilhermina é o farol do circo. E no rito de passagem enfrentado por Benjamim ele descobre que sim… ele é um bom palhaço e deve continuar. Esse fator é fundamental para o ser humano continuar qualquer empreendimento que ele se propõe – ver-se com possibilidade, acreditando em si próprio.