O que é esse bem tão procurado que chamamos de Felicidade?
Cibele Brandão¹
Hoje mais uma vez o vento virar. Percebi que mais uma estação do ano se sucede. Temos as quatro estações, mas a primavera é a estação do ano que a maioria das pessoas dizem ser a de sua preferência. É certo que ela tem a temperatura agradável, bastante luminosidade e poucas variações meteorológicas. Mas, o que a caracteriza e possivelmente faz com que as pessoas a apreciem tanto é que é a estação em que desabrocham as flores. Metaforicamente gostamos de constatar que depois do inverno segue-se com a primavera uma espécie de renascimento. Campos cinzentos e queimados tornam-se revigorados com a bonança da nova estação. Poder constatar que as coisas podem se modificar e que o que está seco pode voltar ser fértil e vicejante é uma das formas de felicidade e reasseguramento para os seres humanos.
Há conserto e transformação para as coisas. Essa maneira de pensar é uma forma de felicidade. Uma outra forma que tem um sentido mais duradouro, e é uma felicidade que não é buscada no mundo externo, mas encontrada dentro do próprio indivíduo também existe. O psicanalista Gley P. Costa² conta em um de seus livros um conto popular que ilustra essa verdade, dizendo que, no princípio dos tempos, reuniram-se vários demônios para fazerem uma travessura: tirarem algo valioso dos humanos. Depois de muito pensar, um deles disse: “Já sei! Vamos tirar-lhes a felicidade, mas o problema é onde escondê-la para que não possam encontrar”. O que se encontrava a seu lado não perdeu tempo: “Vamos escondê-la no cume do monte mais alto do mundo”. Mas não levou mais do que um minuto para que um outro se manifestasse: “Não teremos sucesso. Recordou-se que os humanos têm força, logo algum deles chegará ao cume da montanha e se um descobrir em pouco tempo todos saberão onde a felicidade se encontra. Proponho que se a esconda no fundo do mar”. A solução, a princípio pareceu boa, mas não tardou ocorrer a um dos demônios que sendo os humanos muito curiosos, acabariam fabricando algum equipamento para se aproximarem do fundo do mar, descobrindo a felicidade.
“Então, vamos escondê-la em um planeta distante da Terra”, disse outro, logo contestando: “São muito inteligentes, construirão naves que os levarão para outros planetas e a felicidade se tornará acessível a todos”. Já haviam falado todos os demônios reunidos, faltando apenas um que permanecera até então refletindo. Disse “Creio saber onde esconder a felicidade para que os humanos não a encontrem”. Juntos, todos perguntaram: “Onde?”. E ele respondeu: “A esconderemos dentro deles mesmos. Estarão tão ocupados em buscá-la fora que nunca a encontrarão”. Todos concordaram e desde então tem sido assim: o ser humano passa a vida procurando a felicidade sem se dar conta que a traz consigo.
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¹ Cibele Brandão, psicanalista. Analista didata e membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e membro do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região.
² Costa P. Gley – Conflitos da vida real – Editora Artmed.
E o que é que o ser humano traz consigo que é a essência da felicidade? Talvez seja
algo que tenha a ver com sentir-se verdadeiro e ter a imagem clara de sua própria natureza. A felicidade é diferente da passageira alegria, ou do bom humor ou do otimismo. Esses são momentos fugazes e transitórios. A felicidade verdadeira é libertadora, pois aponta para possibilidade de cada pessoa buscar ser ela mesma, tornando-se um exemplar único e exclusivo. Muitas vezes vemos a forma como as mulheres buscam a composição de seu estilo de vida, de divertimento ou de composição de seu visual. Não é a roupa que compõe bem ou traz a satisfação para uma mulher. Ao contrário, quanto mais verdadeira e livre uma mulher estiver, mais ela saberá encontrar e aproveitar o que lhe convém.
Finalizo citando trechos de versos do poeta Vicente Carvalho. O poema chama-se Felicidade e diz assim:
…Essa felicidade que supomos,
Àrvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca pomos onde nós estamos.
– Cibele Brandão, é psicanalista. Analista didata e membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e membro do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região.
– Costa P. Gley – Conflitos da vida real – editora Artmed.